domingo, 22 de abril de 2012

“A Rainha de Jango”: a história de lutas da rainha da reforma agrária


 

Aldair Carvalho com seu livro "A Rainha do Jango" - Foto: Eduarda Rosa
Eduarda Rosa
A história do Brasil traz surpresas a cada dia, são curiosidades de páginas históricas que são pouco conhecidas pelo povo. Uma dessas páginas é a coroação da rainha da reforma agrária, que aconteceu em 1964, durante o governo de João Goulart, e está registrado no livro escrito por Aldair Lucas de Carvalho.
“A rainha de Jango”, como foi denominada no livro, era uma mulher simples e trabalhadora, e que nem sabia o que era a “tal” da reforma agrária. Januária Maria da Conceição, nascida em 1933, em Caririaçu, na região de Juazeiro do Norte, no Ceará, e aos 21 anos se muda para São Paulo com o marido e a filha. Ali, começa trabalhar em uma metalurgia e foi escolhida como rainha da 1ª Convenção da mulher trabalhadora, em 1963.

Um ano depois, o presidente João Goulart procurava uma mulher para representar a reforma agrária, Januária foi a indicada, mas de acordo com o autor, ela não sabia o que era reforma agrária “ela sempre foi uma mulher urbana, se criou no campo, mas não mexia com lavoura, era mais de casa. Mas mesmo assim, embarcou em um ônibus para Brasília, com a Comissão Pró- Reforma Agrária, em 25 de março de 1964”, conta Aldair Carvalho.
Ao desembarcar na capital federal chega o momento tão esperado, e tão “solene para seu mundo simplório. Caminhando sobre a rampa que dá acesso ao interior do palácio, sentia-se orgulhosa, mas as suas pernas tremiam em ver os guardas apresentando armas, o sexto sentido dava mais uma vez um sinal de que algo anormal estaria por acontecer”, com descreve Carvalho em um trecho do livro. E realmente estava, ia ser coroada por 100 anos a Rainha da reforma agrária do Brasil, então ela se aproxima do presidente João Goulart e diz:
“- Excelentíssimo Senhor Presidente João Goulart, o que me traz à vossa presença é pedir para toda a nação a Reforma Agrária.”
Ele disse com vivacidade:
“- Eu aceito!”
“Houve um alarido e uma grande salva de palmas. De imediato foi-lhe passado uma caneta banhada a ouro que o Plácido Castelo tinha providenciado e entregue a Januária para o devido momento. Ali foram assinadas três vias do pedido e a sua nomeação como Rainha da Reforma Agrária por cem anos, ou seja, até o dia 25 de março de 2064”, conta o autor.
Seis dias depois de ter passado por momentos de “realeza” Januária volta a São Paulo e se depara com a revolução, por conta da Ditadura Militar. Ela não sabia o que estava acontecendo e quando começam os tiroteios prendem-na e só depois de seis meses consegue escapar. Foi aos sindicatos, mas todos haviam sido fechados, por serem considerados instituição irregular, assim pediu ajuda em uma igreja católica.
Viveu nove anos ilegalmente, com nome e documentos falsos, só em 1973 com a lei da anistia pode viver livre, porém ainda tinha medo, mas foi trabalhar no SBT, no programa “Praça da Alegria”, que hoje é “A Praça é Nossa”, participou de filmes e tinha contato com muitas pessoas da alta sociedade midiática.
Porém, sempre teve uma vida difícil para subsistir, mas em 1983 cansou e decidiu procurar os irmãos, que moravam no interior de Mato Grosso do Sul, em Glória de Dourados e Fátima do Sul. Mas muda-se para Dourados, onde trabalhou em bares e restaurante, um tempo depois vai para morar com os irmãos para ajudá-los, tentam abrir um negócio juntos, mas não dá certo.
Assim, no início na velhice e com pouca renda começou a viver “de favor” na casa da filha em Dourados. Então ouve falar da luta das famílias por terra e se lembra da sua titulação, e decide requerer uma terra, e em 1991 consegue um lote no assentamento São Sebastião em Ivinhema, onde morou até 2011.
Durante esses anos lutou pelas pessoas, mandou cartas ao Presidente Lula pedindo ambulância, trator e outras necessidades, que foram atendidas pelo presidente. Porém muitos não gostavam dela, pois ela via muitas coisas erradas e não ficava quieta, “ela era boca dura”, como disse Aldair, “porém por conta disso foi ameaçada de morte por várias vezes”, ressalta.
Januária no lançamento do livro - Foto: Nicanor Coelho
De 2010 a 2012, Januária passa por momentos difíceis: o genro morre em 2010; a filha adquire câncer e morre no final de 2011; e a neta se suicida em seguida. “Essa é uma história que para mim tem muito a ensinar, o que tem de errado e o que acertou, é um exemplo de vida, uma mulher justa e honesta”, relata o autor.
Aldair Lucas de Carvalho, conta que seu irmão descobriu Januária em uma visita ao assentamento, “e ela disse que tinha muita vontade de escrever um livro contando suas histórias, pois tinha um diário em que escrevia desde 1954. Então me comovi com sua história e escrevi o livro em 60 dias, foi lançado no final de 2011”, lembra o autor.
Aos 78 anos de idade, Januária devolve seu lote para o Incra e em fevereiro deste ano decide voltar para Juazeiro, sua terra natal. Carvalho finaliza dizendo “existe um subgrupo dos elefantes que se isola, no local onde nasceu, para morrer, parece que ela fez isso”.

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