quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Após anos apanhando do marido, mulher relata sofrimento e encoraja outras a denunciarem


Mulher conta sobre violências domésticas sofridas - Foto: Ademir Almeida
Eduarda Rosa
“Ele batia muito em mim e me xingava de tudo quanto era nome. Virava e mexia ele pegava a faca para tentar me matar, eu saia correndo e ele atrás. Quando ele não pegava faca, era tijolo”. Este é o relato de uma diarista de 26 anos, que já foi agredida diversas vezes pelo seu ex-marido, que atualmente está preso.

Mesmo assim, o medo por parte dela continua. De dentro da Phac (Penitenciária Harry Amorim Costa) em Dourados, ele envia diversas cartas ameaçando-a de morte. Para preservá-la a chamaremos de 'Márcia da Silva'.
De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), a cada 15 segundos uma mulher é agredida no Brasil, e em Dourados, segunda maior cidade de Mato Grosso do Sul, são registrados em média quatro ocorrências de violências domésticas dia, segundo dados da Delegacia da Mulher.
Ela era agredida pelo ex-marido, que tentou matá-la diversas vezes - Foto: Ademir Almeida
Márcia da Silva é um destes casos e além de ser ameaçada pelo ex-marido também foi agredida recentemente pelo namorado, como é possível ver no hematoma próximo ao olho esquerdo, mostrado através de fotografias.
Apesar das agressões, a história dela começou bem. Durante sete anos viveu com o marido na mais perfeita harmonia e tiveram cinco filhos - nos 10 anos em que passaram juntos -, contudo depois que ele começou a beber e se envolveu com a comercialização de drogas o conto de fadas se transformou em filme de terror.
Em uma de suas gravidez, ele a agrediu e deu chutes em sua barriga, porém a vítima conseguiu se virar e preservar o feto. Na época, o marido ficou preso por quatro meses e depois de liberto. Márcia o aceitou novamente. Ficaram um tempo sem brigar, mas depois começou tudo de novo, inclusive com a venda de entorpecentes.
A situação mais grave que ela passou dentro de sua casa foi quando o marido tentou matá-la a facadas:
"Ele chegou em casa e começou a me xingar, eu fui sair, quando peguei na porta para abrir ele veio com a faca nas minhas costas, aí eu vi a sombra da faca vindo, fui para cima dele e o derrubei. Daí ele veio de novo com a faca para me furar, aí eu peguei a faca com a mão e decepou um dedo. Quando eu vi que ele queria me matar mesmo eu me joguei em cima do sofá, joguei os pés nele. Ele caiu, levantou e veio com a faca de novo para cima de mim, eu grudei na faca e consegui quebrar foi onde ele cortou outro dedo também. Ficaram dois dedos caídos. Ele achou que tinha me matado, porque tinha sangue na casa inteira, aí ele pegou a moto e saiu (sic)".
Dedos quase foram decepados quando ela tentou se defender do marido, que tentava matá-la a facadas - Foto: Ademir Almeida
Ferida, Márcia ficou nove dias internada. Ela conviveu 10 anos com o marido e há três está separada.
A diarista disse também foi presa por tráfico de drogas por conta dele. "Encontraram a droga na casa da minha mãe e para não deixar que ela fosse presa eu falei que a droga era minha, mas não era, era dele. Fiquei dois anos detida", contou.
Neste período a guarda dos filhos de Márcia ficou com a mãe dela, todavia a avó ficou depressiva e as quatro crianças foram levadas ao orfanato pela Justiça.

Tem que denunciar! Vai ficar apanhando até quando?

— Mulher vítima de violência doméstica

"Estava grávida quando fui presa, estou recuperando agora a guarda dos meus filhos, estou com dois aqui em casa".
Apesar de toda essa história, Márcia em diversos momentos solta gargalhadas.
"Eu já estou esperando, a qualquer momento posso morrer. Mas nem por isso vou começar a entrar em depressão, ficar chorando. Minha mãe entrou em depressão, tomou veneno, tentou se matar. Vou esquentar para quê? Têm muitas mulheres aí que vão colocando as coisas na cabeça, vão ficando doidas. Eu não, não vou colocando nada na cabeça. Já que tá falando deixa fazer, o dia que quiser fazer eu estou aqui. Não tenho medo nenhum. Penso nos meus filhos, mas eu vou fazer o quê? (sic)", afirmou.
Foto: Ademir Almeida
O ex-marido dela também não aceita que ela arrume outro namorado. Márcia lembra que arrumou um e o ex mandou matar. “Se eu arrumar outro ele vai matar. Ele falou que vai matar os dois, ‘se eu não ficar com ele, não vou ficar com ninguém’, disse ele em uma carta, então fui lá e registrei queixa”.
Márcia não tem noção de quantas vezes já denunciou o ex-marido por violência doméstica, porém nunca deixou de denunciar.

Acho que eu nem penso em futuro...

— Jovem, de 26 anos, vítima de violência doméstica

"Tem que denunciar! Vai ficar apanhando até quando? Eu acho que tem mulheres que têm medo de denunciar e acabar morrendo, daí não denuncia e acaba morrendo do mesmo jeito. Outras têm medo de denunciar e o marido matar todo mundo".
Agredida diversas vezes, Márcia chegou a uma conclusão a respeito da lei Maria da Penha, “acho que a lei resolve um pouco, os homens não estão mais batendo, mas quando eles batem é para matar. Hoje em dia homicídio não está dando nada, se um homem matar uma mulher e se apresentar depois de 24h ele não vai preso, vai responder em liberdade”.
Com tantas turbulências ao longo da vida, a jovem, de 26 anos, diz que não pensa no futuro:
"Acho que eu nem penso em futuro, por isso que eu vivo assim... dando risada. A única coisa que eu penso é arrumar um serviço registrada, que eu vou ter mais vantagem, mas sonhar lá na frente eu não sonho, não. Eu vivo o dia de hoje, o amanhã pertence a Deus". [Finaliza rindo.]
Líder indígena da Aldeia Bororó em Dourados, Aniceto Velasquez - Foto: Ademir Almeida
'Nas aldeias os crimes são mais graves', diz delegada
De acordo com a delegada titular da Delegacia da Mulher, Rozeli Dolor Galego, em janeiro de 2013 e 2014 foram registrados 140 casos, sendo o mais grave deste ano o assassinato de uma indígena.
“Cerca de 35% dos casos envolvem indígenas, isso é muito grave, pois eles são uma população de apenas 15 mil dentro de 207 mil habitantes. E dentro da aldeia os crimes são mais graves, porque a gente não tem como fazer uma política lá dentro”, afirma a delegada.
O líder indígena da Aldeia Bororó em Dourados, Aniceto Velasquez, confirma a fala da delegada e diz que atende em média 15 casos por mês.
“Isto está acontecendo na aldeia por causa da bebida alcoólica. O homem chega bêbado em casa, começa a discutir com a esposa e daqui a pouco já começa a bater na mulher”.
Segundo Velasquez a “raiz” do problema é a venda de bebidas alcoólicas nas aldeias, o que é proibido pelo Estatuto do Índio, Lei Federal nº 6.001, no artigo 58, no inciso terceiro, com pena de detenção de seis meses a dois anos.
“Antigamente era pouco, porque eles trabalhavam e traziam a bebida para a aldeia, então acabava logo, mas agora vendem dentro da aldeia. Quando acaba o dinheiro, eles pegam mercadorias e trocam. Se não tivesse bebida alcoólica dentro da aldeia não iria ter este problema!”, ressaltou o líder indígena.
Delegada titular da Delegacia da Mulher, Rozeli Dolor Galego - Foto: Ademir Almeida
Assim como Márcia da Silva, Aniceto Velasquez também reclama da lei do flagrante, “quando acontece alguma coisa a gente chama a polícia, mas se a Força Nacional estiver em outra aldeia eles não vem. Quando a gente leva para a delegacia no outro dia já passou o flagrante, então este é o problema, mas nós fizemos a nossa obrigação - pega e leva na delegacia -, mas a lei do Brasil é muito fraca”.
A delegada Rozeli explica que em qualquer crime se o acusado se apresentar, dentro ou fora das 24h, não é mais considerado flagrante. Só é flagrante se a polícia prender o autor no momento do crime, se ele se apresentar espontaneamente, não é flagrante.
Ela também relatou que a maioria dos registros são de ameaça, cerca de 40%, sendo que também são registrados como violência doméstica a injúria, as vias de fato e a lesão corporal.
“A penalidade da Lei Maria da Penha para agressão é de três meses a três anos, com aumento de 1/3 se lesão for grave e mais 1/3 de a vítima for deficiente. Contudo muitas mulheres não consideram a violência psicológica, quando o marido chama de ‘feia, gorda, fedida’ isso é violência, mas muitas acham que não é. Acham que violência é só física”.
Denúncias
Para denúncias ligue na Central de Atendimento a Mulher no número 180, ou na Delegacia da Mulher em Dourados - 3421-1177 / 3423-0928.

http://www.douradosnews.com.br/dourados/apos-anos-apanhando-do-marido-mulher-relata-sofrimento-e-encoraja-outras-a-denunciarem

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