quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Mesmo irregular, trabalho infantil doméstico é culturalmente aceito, afirma procuradora do MPT


Procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT), Cândice Gabriela Arosio - Foto: Eduarda Rosa
Eduarda Rosa

O trabalho infantil abaixo dos 14 anos diminuiu 21% entre 2011 e 2012 no Brasil, segundo divulgação do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) 2012. Contudo, de todas as regiões do país o Centro-Oeste foi o único que teve aumento no percentual de crianças ocupadas na faixa de 5 a 13 anos de idade, de 1,2% em 2011, para 1,3% em 2012.
Em entrevista concedida ao Dourados News a Procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT), Cândice Gabriela Arosio, enfatizou que nos últimos 15 anos a realidade do trabalho infantil no Mato Grosso do Sul mudou bastante.

“Os trabalhos em carvoarias e canaviais hoje são mais difíceis de ser encontrados, porém o mais difícil de ser erradicado é o trabalho infantil doméstico, pois é comum para sociedade, então o trabalho de conscientização é mais desafiador”, disse a procuradora.
O trabalho infantil doméstico é considerado aquele em que a criança tem responsabilidades como a de um empregado, todavia ela pode ajudar nos afazeres domésticos de sua casa. “É um ambiente propício para acontecer abuso sexual, acidentes, conflitos de ideias, questionamentos, baixa estima, depressão, além de a criança ficar cansada para estudar e brincar, ou seja, ser criança”, explicou.
O serviço doméstico é considerado uma das piores formas de trabalho infantil listadas no Decreto 6.481/08, pois dele pode ocorrer os seguintes riscos ocupacionais: esforços físicos intensos; isolamento; abuso físico, psicológico e sexual; longas jornadas de trabalho; trabalho noturno; calor; exposição ao fogo, posições antiergonômicas e movimentos repetitivos; tracionamento da coluna vertebral; sobrecarga muscular e queda de nível.
Trabalhos em carvoarias diminuíram no Estado - foto: Divulgação
“Culturalmente este tipo de trabalho é um dos mais naturais, pois as pessoas têm aquele conceito antigo de que é melhor trabalhar do que ficar na rua, contudo isto é um conceito falho, pois a maioria dos menores infratores trabalhavam. Isso é normal para famílias de baixo nível financeiro”, afirmou Cândice.
Segundo ela, em Dourados as médias e grandes empresas não contratam pessoas irregularmente, mas isso acontece com frequência em microempresas e empresas informais, como lanchonetes. “Por precisar ajudar na renda da família, os adolescentes aceitam estes empregos, recebem uma baixa remuneração e trabalham sem as condições necessárias de segurança, com isso muitos deixam de estudar”, finalizou a procuradora do MPT.
O Ministério Público do Trabalho, por meio do Ministério do Trabalho e Emprego, realiza fiscalizações em empresas ou onde há denúncias de crianças ou adolescentes trabalhando. As denúncias podem ser feitas pelos seguintes telefones: Disque 100; Creas Dourados: 0800 647 0444; Conselho Tutelar: 0800 647 7142; e Procuradoria do Trabalho Dourados: 3410-4000.

Confira 11 mitos e verdades sobre o Trabalho Infantil:

Escrito pela Procuradora do Trabalho Jane Araújo dos Santos Valini.
1. O MITO: “A causa da incorporação de crianças pelo mercado de trabalho é a precarização das relações de trabalho. Ora, o trabalho é formativo, uma escola de vida que torna o homem mais digno”.
A VERDADE: “O trabalho precoce é deformador da infância. As longas jornadas de trabalho, as ferramentas, os utensílios e o próprio maquinário inadequado à idade resultam em vários problemas de saúde e elevação de índices de mortalidade”. (texto reproduzido do jornal Folha de S. de Paulo, 1º de maio de 1997). Se a precarização das relações de trabalho atinge de modo nefasto o trabalhador adulto, teoricamente apto à defesa de seus direitos, ela massacra a criança trabalhadora, vítima indefesa de toda sorte de exploração!
2. O MITO: “O trabalho tem de ser considerado um fator positivo no caso de crianças que, dada a sua situação econômica e social, vivem em condições de pobreza e de risco social.”
A VERDADE: esse pensamento implica perpetuação da pobreza daquela família e de suas futuras gerações, além de discriminação escancarada.
3. O MITO: “É melhor a criança trabalhar do que ficar na rua, exposta ao crime e aos maus-costumes.”
A VERDADE: crianças e adolescentes que trabalham em condições desfavoráveis pagam com o próprio corpo, quando carregam pesos excessivos, são submetidos a ambientes nocivos à saúde, vivem nas ruas ou se entregam à exploração sexual.
4. O MITO: “Trabalhar educa o caráter da criança, é um valor ético e moral. É melhor ganhar uns trocados, aproveitar o tempo com algo útil, pois o trabalho é bom por natureza”.
A VERDADE: a infância é tempo de formação física e psicológica; tempo de brincar e aprender. O trabalho precoce impede a frequência escolar e prejudica toda essa formação, inclusive a profissional. É certo que a Constituição Federal de 1988 erigiu o valor social do trabalho como um dos fundamentos do Estado democrático de direito; todavia, antes de 14 anos, o direito resguardado é o de não trabalhar, e esse tempo deve ser preenchido com educação, com brincadeiras, com exercício do direito de aproveitar a infância.
Lixões também fazem parte da realidade de muitas crianças, principalmente, em grandes cidades - foto: divulgação
5. O MITO: “É bom a criança ajudar na economia da família, ajudando-a a sobreviver.”
A VERDADE: quando a família se torna incapaz de prover seu próprio sustento, cabe ao Estado apoiá-la, e não à criança.
6. O MITO: “Criança desocupada na rua é sinônimo de perigo, de algo perdido, sintoma de problema.”
A VERDADE: esse era o fundamento do vetusto Código do Menor, de 1927, bem como da posterior ‘doutrina da situação irregular’. Estamos hoje sob um novo paradigma constitucional – a doutrina da proteção integral, que entende a criança como sujeito de direitos, alvo de proteção obrigatória do Estado, da família e da sociedade.
7. O MITO: “Criança que trabalha fica mais esperta, aprende a lutar pela vida e tem condição de vencer profissionalmente quando adulta.”
A VERDADE: o trabalho precoce é árduo e nunca foi estágio necessário para uma vida bem-sucedida – ele não qualifica e, portanto, é inútil como mecanismo de promoção social.
8. O MITO: “É natural que as crianças trabalhem com os pais, aprendendo um ofício; é natural que os pais levem seus filhos para seu local de trabalho quando não têm onde deixá-las, ainda que seja uma carvoaria ou um lixão!”
A VERDADE: a criança não está na verdade aprendendo um ofício, pois tais atividades não se confundem com aprendizagem, e, na maioria das vezes, nem remunerada é! Ela está perdendo a chance de estudar, poder se profissionalizar quando adulta e adentrar o mercado de trabalho com melhor qualificação do que a que tiveram os seus antepassados.
9. O MITO: “Criança trabalhadora é sinônimo de disciplina, seriedade e coragem; a que vive em vadiagem se torna preguiçosa, desonesta e desordeira”.
A VERDADE: o trabalho infantil gera o absenteísmo escolar e rouba da criança o tempo e a disposição de estudar. A criança que trabalha sofre uma série de injustiças: é extremamente mal remunerada, as jornadas de trabalho são extenuantes e os abusos vão de insultos a agressões física e sexual. Disciplina e outros valores se aprendem junto à família e à escola.
10. O MITO: “Mentalidade econométrica, segundo a qual primeiro se deve investir na economia; depois no social; afinal, se a economia vai bem, automaticamente o social se incrementará!”
A VERDADE: os tão decantados exemplos da Coréia do Sul e do Chile desmascaram esse mito! É necessária a formação de uma base social que sustente o crescimento econômico. A OIT procedeu à pesquisa, condensada no livro Invertir em Todos Los Niños – Estudio económico de costos y benefícios de Erradicar el Trabajo Infantil – IPEC/OIT, em que conclui:
O resultado individual mais importante é que se estima que a erradicação do trabalho infantil e sua substituição pela educação universal renderá enormes benefícios econômicos... Globalmente, os benefícios superam todos os custos em uma proporção de 6,7 para 1. Isto é equivalente, dada a distribuição no tempo de custos e benefícios, a uma taxa interna de retorno de 43,8% (tradução livre).
11. O MITO: “O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma utopia e está dissociado da realidade brasileira; é preciso adaptá-lo às reais condições sociais e econômicas do país”.
A VERDADE: ora, a questão do trabalho infantil deve sempre ser enfocada sob a ótica dos direitos humanos, que são fundamentais, inegociáveis e inalienáveis! Nosso desafio, de todos nós, e principalmente do Estado, é tornar as garantias previstas no ECA a realidade de todas as nossas crianças.

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