sábado, 14 de julho de 2012

Sensibilidade e bom humor para ver a vida, mesmo sem enxergá-la


Lia Lima e seu marido Marcos - Foto: Eduarda Rosa
Eduarda Rosa
Dentre os mais de três mil deficientes visuais de Dourados está Lia Lima. Quando nasceu seus olhos viam tudo, mas por conta de uma doença, retinopatia, teve a perda gradativa da visão e há 13 anos não enxerga praticamente nada. Essa história tinha tudo para ser triste, mas Lia começou a “ver” um mundo diferente, a partir do momento em que perdeu a visão.
Lia Lima é natural de Campo Grande e nasceu no dia sete de fevereiro de 1965, quando tinha quinze anos de idade seu pai montou uma empresa em Dourados e se mudaram para cá. Assim como muitas adolescentes dessa idade, queria ser livre, independente, “voar alto” e para isso resolveu se casar, com quase dezessete anos teve seu primeiro e único filho.
Conta que não se adaptou ao casamento, pois queria ser livre e um filho “logo de cara” acabou prendendo-a mais, “era uma criança carregando outra criança e a vida foi passando e de repente caiu as minhas fichas, então falei ‘acho melhor ficar por aqui’... e o casamento terminou!”, disse ela. Lia narra que o que aconteceu em sua vida antes da perda da visão, não teve muito valor, “fiz faculdade de administração, mas não a fiz bem feita, já agora depois de perder a visão fiz graduação e pós-graduação em publicidade e já estou pensando em mestrado”.
“Depois que eu perdi a visão a coisa ficou mais pé no chão, eu encarei a vida mais a sério, antes parecia que eu nem vivia, então essa perda me fez pensar mais na vida, a refletir, a ouvir um passarinho e falar ‘nossa que bonito’, pois quando eu tinha visão eu ouvia o passarinho, via o passarinho e pra mim era normal e hoje chego a parar para ouvir o seu canto”.
Lia fez sua graduação a distância, com a ajuda de um programa de computador que lê tudo que está na tela - Foto: Eduarda Rosa
Os valores da vida também mudaram, pois antigamente ela dava valor para coisas que hoje já não tem mais tanto sentido quanto antes. “Antes eu tinha tudo, via tudo e fazia tudo, mas as coisas não tinham tanta importância, nada valia nada, tudo que fazia era vazio e agora, mesmo sem visão, eu me sinto mais útil, e é incrível não é? Sinto-me mais útil do que quando via e fazia de tudo, mesmo dependo muito mais das pessoas”, reflete a publicitária.
Para sair da depressão procurou uma igreja evangélica e lá pode aflorar talentos que não conhecia, começou a cantar no louvor, dançar no grupo de coreografia e até a dirigir os cultos. Lá conheceu Marcos, com quem já está casada há dez anos.
“Quando ele me pediu em namoro achei que não ia dar em nada, porque para mim não existia mais o casamento, e eu não pensava que fosse tão bom quanto é. Então isso foi algo de Deus na minha vida mesmo, tanto é que meu esposo hoje ** é o meu olho**, se não fosse ele, não sei o que seria de mim”, disse a esposa.
Lia ficou mais sensível para a vida! Ela conta que quando chega a um lugar já sabe como está o “clima” e até se está limpo ou sujo. “É uma sensibilidade que Deus colocou em mim, de repente é com todo mundo, eu não sei. Mas os colegas já vêm perguntando para mim o que está acontecendo no ambiente, ‘qual é o babado’”, disse ela bem humorada.
Lia é a presidente da Associação Beneficente Life, de deficientes visuais de Dourados - Foto: Eduarda Rosa
Lia conta que não gosta de ficar parada, sem fazer nada, e com isso tenta mostrar para as outras pessoas também com deficiência que é possível fazer muita coisa “ás vezes a pessoa fica falando ‘ai eu não posso, ai eu não consigo’, mas eu digo ‘oh, espere aí, você pode sim! Você consegue, e basta ter força de vontade, basta ânimo, vamos conhecer os colegas, vamos conversar, vamos nos divertir’, por isso tivemos a ideia de criar a associação de deficientes visuais de Dourados, além de lutar pelos nossos direitos”.
“A vida continua, só para quando Deus fala ‘vem pra cá, acabou por aí sua missão’, mas enquanto Deus não disser isso, você está vivo, tem que viver e viver bem, pois você tem condições para isso, mas muitos entram para o lado depressivo. Então o negócio é você ter vontade, acreditar em Deus, se firmar com Ele e querer fazer, porque se não quiser, nada pode fazer você querer!”, incentiva a deficiente visual.
Lia revela que o que sente mais falta é de dirigir, pois no volante se sentia livre, mas agradece a Deus por Ele ter “freado” sua vida, pois pisava fundo, e ia a 180 km/h, “mudou muito minha vida, hoje se falou em correr de carro eu nem entro dentro, Deus guardou a minha vida, porque já não era mais para eu estar aqui não! Naquelas loucuras que eu andava...” A “freada” em sua vida fez com que começasse a depender muito de outras pessoas, “é um exercício mutuo de paciência, principalmente para quem queria tanta liberdade!”, reflete Lia.
E por mais irônico que possa parecer ela tem certeza que a perda da visão foi um propósito de Deus para sua vida. “Porque só a gente para conhecer como a gente era, e eu me conhecendo, posso dizer que se eu perdesse as pernas, por exemplo, não iria parar, mas Deus conseguiu me parar de um jeito muito inteligente, me tirando a visão. Ele me colocou em uma posição que hoje eu posso ‘ver’ a vida, ver as pessoas, o meu filho, o meu pai e minha mãe, de uma forma diferente, ou seja, hoje ‘vejo sem ver’, e consigo sentir mais, pensar melhor no sentido da vida, porque antes isso não existia na minha vida, era um vazio”, comemora Lia Lima.

Publicado originalmente em: http://www.douradosnews.com.br/dourados/sensibilidade-e-bom-humor-para-ver-a-vida-mesmo-sem-enxerga-la

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