quinta-feira, 10 de abril de 2014

Entrevista: "Não vi casos de morte por negligência do trabalhador", diz auditora do MTE


Alzenir de Jesus Caetano, Chefe do Setor de Inspeção do Trabalho da Gerência de Dourados - Foto: Ademir Almeida

Eduarda Rosa
Após a morte de um homem de 22 anos no sábado, enquanto trabalhava numa indústria do município, o Dourados News procurou a chefe do setor de Inspeção do Trabalho do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) do município, Alzenir de Jesus Caetano, que atua há 17 anos como auditora-fiscal do trabalho.
Durante a entrevista, ela ressalta a responsabilidade do empregador em investir em gestão de segurança e saúde do trabalho e relata como é realizado o trabalho dos auditores de Dourados.

Dados preliminares de 2013 apontam 3144 acidentes de trabalho no Mato Grosso do Sul, sendo cerca de 700 em Dourados; e das 10 mortes, três foram na cidade.
Ela também aponta que nunca viu acidentes com vítimas fatais durante as atividades, causado por negligência do empregado. "Não vi casos de morte por negligência do trabalhador"
Foto: Ademir Almeida

Confira a entrevista:

Dourados News: Como funciona e qual a estrutura do trabalho de fiscalização do MTE em Dourados?
Alzenir CaetanoNós somos responsáveis pela fiscalização, para verificar o cumprimento da legislação trabalhista, tanto a parte de saúde e segurança como a parte de legislação. Na parte de legislação, a gente vai a uma empresa e verifica se o trabalhador foi registrado, se o salário está em dia e de forma correta, se a jornada está dentro dos limites legais; se estiver fazendo hora extra, se está recebendo. Na área de segurança são 36 normas que tratam disso, cada uma retrata um termo específico. A gerência tem sede própria e somos responsáveis por 41 municípios - que estão na jurisdição -, nós fazemos hoje este trabalho com apenas 9 auditores, para os todos estes municípios.Dourados tem cerca de 1/3 dos auditores. Os daqui sempre foram mais rigorosos, então o pessoal reclama muito da gente. Eles querem que o auditor chegue na empresa para orientar e nós não somos consultores, nós não damos consultoria, quando um auditor vai numa empresa ele vai para fiscalizar. Nós temos o dever legal de fazer com que a lei seja cumprida, sob pena até de ser cobrado administrativamente. O nosso regulamento que regulamenta a inspeção do trabalho ele diz claramente a toda infração que o auditor verificar ele tem que emitir um auto de infração, sob pena de responsabilidade.
D.N.: Como as denúncias chegam até o MTE?
A. C.Recebemos a demanda de trabalhadores, de sindicatos dos trabalhadores, do Ministério Público do Trabalho e de qualquer cidadão que porventura se depare com uma situação de descumprimento da legislação. Nós recebemos este tipo de denúncia.
Trabalhadores devem usar equipamentos de segurança - Foto: Ademir Almeida
D.N.: Onde ocorrem os maiores acidentes?
A. C.Pelas estatísticas são na indústria da construção e aqui no Mato Grosso do Sul, nas indústrias de transformação. Aqui a gente tem muito acidente notificado nos frigoríficos - ocorre muito corte - nas usinas de açúcar, de álcool e na construção civil. No MS são estas atividades, que não foge muito do Brasil. Temos muitos dados em hospitais, pois no hospital o trabalhador é obrigado a notificar. Então por exemplo, o trabalhador fura o dedo, o hospital tem que notificar, mas são casos de pequenos acidentes, com instrumentos perfuro cortantes.
D.N.: Por que acontecem estes acidentes?
A. C.O que a fiscalização encontra no dia a dia é a falta de gestão em segurança e saúde do trabalho. Muitas vezes quando se notícia um acidente do trabalho fatal, a primeira coisa que a gente escuta é “ah, a culpa foi do trabalhador, ele não agiu com cuidado, ele descumpriu ordens...”. Aí, quando o Ministério do Trabalho vai investigar as causas deste acidente encontramos a máquina desprotegida, trabalhador sem treinamento e também ambiente insalubre.

Os dados podem ser muito maiores do que temos registrado, por conta da informalidade.

— Alzenir de Jesus Caetano, Auditora-Fiscal do Trabalho

Porque quando a gente fala em proteção do trabalho o que quê a empresa fala? “Ah eu forneci o EPI (Equipamento de Proteção Individual)”. Mas o EPI é um dos últimos recursos quando a gente se fala de segurança do trabalho. Encontramos trabalhador perdendo o dedo de luva, trabalhador perdendo o braço de luva, então era o EPI que era necessário neste caso? Não, era a proteção do ambiente, proteção da máquina. Então, por exemplo, esta máquina que houve a morte com o trabalhador, após o caso é que colocaram a proteção. Se ela já estivesse lá ele teria caído, talvez tivesse a quebra de algum membro, mas jamais morrido. O que a fiscalização mais encontra é a falta de gestão em segurança e saúde do trabalho, infelizmente as empresas não investem em ambiente, em curso, na arquitetura, no layout do ambiente, de forma que aquele ambiente seja seguro para o trabalhador.
D.N.: Quais medidas tomadas para se evitar o problema?
A. C.Seria primeiro tentar soluções de engenharia, depois administrativas, treinamento, cursos para os trabalhadores, por último o equipamento de proteção individual. Porque, muitas vezes, ele não sabe como usar, não foi treinado, não tem noção dos riscos que aquela atividade gera. Esta antecipação de risco é de responsabilidade do empregador, da empresa.
Descuidos podem provocar acidentes - Foto: Ademir Almeida
D.N.: Existem problemas de maquiagem de dados por parte dos contratantes?
A. C.As comunicações de acidente de trabalho são obrigatórias para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), toda vez que acontece um acidente de trabalho, gere ele afastamento ou não, seja fatal ou não, a empresa tem que mandar este comunicado.
Porque acontecem subnotificações? Porque o trabalhador acidentado, se ele se afastar e receber benefício previdenciário ele tem estabilidade no emprego por 12 meses, então a gente sabe sim que esses dados que são enviados para a previdência são subnotificados. Existe a questão de não notificar e existe também a questão de acidente acontecer com um trabalhador que não está regularizado, aí esta informação não vai mesmo, porque aquele trabalhador não tem vinculo formal.
Os dados podem sem muito maiores do que temos registrado, por conta da informalidade. Isto acontece muito na construção civil, porque normalmente ou é um particular que pega uma obra e faz o chamado contrato de empreita, que é um contrato de prestação de serviço, e muitas vezes aquele empreiteiro que pega a obra ou sub-empreita ou então coloca vários outros trabalhadores com ele para gerir aquele pequeno negócio, com isso ele mantem tudo na informalidade.
A gente encontra também grandes empresas que ganham processos licitatórios na área de construção civil e terceiriza o serviço, então pequenos empreendedores que muitas vezes são obrigados para trabalhar para determinada empresa, abrir vagas de empregos e acaba não tendo condições de cumprir as normas, nem a parte trabalhista – recolher FGTS, INSS – quanto na parte de segurança e saúde.
D.N.: No final de semana foi registrado o óbito de uma pessoa no local de trabalho em Dourados. Esses casos são frequentes?
A. C.Caso de óbito aqui na região de Dourados, até que ultimamente a gente teve com uma certa frequência, mas os números não são tão altos assim, porém não importa, é uma morte, não poderia acontecer.

Esta máquina que houve a morte com o trabalhador, depois que ele morreu que colocaram a proteção. Se a proteção já estivesse lá ele teria caído, talvez tivesse a quebra de algum membro, mas jamais morrido.

— Alzenir de Jesus Caetano, Auditora-Fiscal do Trabalho

A fiscalização hoje do ministério do trabalho o nosso planejamento é todo focado em segurança e saúde. Nós tentamos chegar antes na empresa, o que acontece quando a gente chega antes e o auditor encontra uma situação dessa? Com certeza vai ser interditada a máquina, como acontece diariamente, o número de interdições de máquinas que os auditores geram em decorrência da fiscalização é alto, praticamente em toda a empresa que vai tem alguma irregularidade, tem alguma máquina que não está protegida ou tem algum risco que não foi identificado.
D.N.: O que motiva essas mortes?
A. C.A falta de cuidado. Hoje posso te dizer que nas análises que o ministério do trabalho faz de acidente grave e fatal, eu até hoje como auditora não vi nenhum caso para dizer que foi negligência do trabalhador.
É lamentável de se ver a conclusão de como aquilo aconteceu, porque em 100% dos casos poderia ter sido evitado. Para mim, com ser humano, quando chega as minhas mãos um relatório de análise de acidente que o auditor me traz, que é caso de morte, que você lê e vê que se tivesse ‘isso’.
Aqui no Estado as vezes acontece morte em silos, que o trabalhador é soterrado, mas se ele tivesse usando um cinto de forma adequado ele poderia até cair, mas ele ia estar seguro.
Na indústria onde o trabalhador morreu, os auditores já foram até lá e fizeram todos os procedimentos que deveria ser feito, já detectaram problema, já interditaram boa parte dela, porque eles observaram o problema não só na máquina que o trabalhador morreu, mas em muitos outros.
O trabalhador morreu, pois a máquina emperrou, ele subiu para tentar fazê-la funcionar, perdeu o equilíbrio e caiu dentro da máquina. Ele não foi triturado, mas teve óbito instantâneo.
"Em 100% dos casos o acidente poderia ter sido evitado", diz a auditora - Foto: Ademir Almeida
D.N.: O município está em franca expansão e a construção civil é a prova disso, é possível fiscalizar todos os locais com obras?
A. C.Não, mas a fiscalização na construção civil aqui em Dourados é muito atuante, é um dos setores que a gente mais fiscaliza. Hoje nós temos dois auditores que só fiscalizam construção civil. Na construção civil, com este quantitativo de auditores, é impossível alcançar tudo, hoje para a gente fazer um trabalho de melhor qualidade, maior alcance, seria necessário ter três vezes mais o número de auditores que eu tenho.
Mas é visível em Dourados a mudança na construção civil, você passa e vê trabalhadores com o capacete, obras protegidas, com proteção das laterais que antes não se via, e isto eu posso dizer com certeza que é fruto do nosso trabalho.
Apesar que desde a gente começou a fiscalizar de forma mais intensa, com isso tem saído matéria na imprensa da associação de construtores, ‘vira e mexe’ vai algum empresário lá na superintendência reclamar da gente, mas nós temos consciência que o trabalho que tem que ser feito é este. E o auditor que vai lá ao local, que pisa lá no chão onde o trabalhador pisa, tem no olhar a questão de segurança e saúde, quando ele vai para o canteiro de obras, tem se interditado muito andaime, muita betoneira, tem encontrado muita irregularidade nas instalações elétricas, trabalho em altura. Este trabalho é bem intenso, a gente tem um alcance bem grande, não é de 100%, mas é muito bom.
D.N.: O que acontece quando o contratante infringe alguma lei de segurança de trabalho?
A. C.Ele está sujeito a ter o equipamento interditado, a obra embargada, ou seja, a paralisação do trabalho naquela máquina, naquele equipamento ou naquele local, caso seja interditado todo um ambiente, aquele local não pode voltar a funcionar enquanto estiver expondo o trabalhador a risco.
A outra consequência é a lavratura de auto de infração, que pode ser convertida em pagamento de multa. E no caso de acidente de trabalho a gente gera um relatório de análise que vai também para a procuradoria federal, que vai verificar se é o caso de entrar com ação regressiva para cobrar os gastos que o Estado teve por conta deste acidente.

Não basta exigir o uso de equipamento de proteção individual, isto é em último caso, ele também tem que propiciar as condições do trabalho, tem que dar treinamento, pois o trabalhador tem que estar ciente dos riscos do trabalho que ele esta fazendo, muitas vezes ele não tem nem noção, aliás, na maioria das vezes.

— Alzenir de Jesus Caetano, Auditora-Fiscal do Trabalho

Nós atuamos muito em conjunto com o Ministério Público do Trabalho, pois a gente recebe muita requisição de fiscalização deles, nossos relatórios são subsídio para que o Ministério entre com ação civil pública ou para formalizar termo de ajustamento de conduta. Então o nosso trabalho aqui em Dourados com o Ministério Público é bem afinado.
D.N.: E quando o infrator é o contratado?
A. C.Nós fazemos as fiscalizações nas empresas, verificamos as obrigações do empregador, até hoje nos casos que eu verifiquei, que a gerência investigou, eu não vi nenhum caso em que 100% o trabalhador estava errado.
Como neste caso do trabalhador que morreu pode-se falar, ‘ah, mas ele subiu lá, não deveria ter subido”. Mas com certeza ele nem sabia o que tinha dentro daquela máquina, ele não recebeu treinamento e também o trabalho dele não estava sendo supervisionado, porque se tivesse ele seria impedido de subir. E mesmo que se ele tivesse subido, vamos supor, se a máquina tivesse com a proteção ele teria caído, se machucado, mas jamais perdido a vida... um rapaz de 22 anos.
D.N.: É difícil fazer com que o trabalhador cumpra as leis de segurança?
A. C.Durante a fiscalização, os empregadores reclamam muito, mas o poder diretivo é deles. A partir do momento que ele inicia um negócio ele está assumindo o risco deste empreendimento, então ele tem este direito de exigir o cumprimento das regras da empresa dele. Só que não basta exigir o uso de equipamento de proteção individual, isto é em último caso, ele também tem que propiciar as condições do trabalho, tem que dar treinamento, pois o trabalhador tem que estar ciente dos riscos do trabalho que ele esta fazendo, muitas vezes ele não tem nem noção, aliás, na maioria das vezes.
Se junta a isso também a cobrança por produtividade, a questão de jornada excessiva – que muitas vezes na análise a gente encontra isso – vai analisar o ponto do trabalhador, às vezes um está o mês inteiro sem tirar uma folga, aí chega um ponto em que liga o automático e numa dessa, com qualquer descuido pode acontecer um acidente. Por isso que a gente enfatiza a questão do ambiente e da máquina estar protegida, porque se isso acontecer não vai se ferir, porque vai ter a proteção, vai ter botão de emergência, cortina de luz, sensor, porque pode acontecer um descuido, mas se a máquina estiver protegida não vai acontecer nada.
D.N.: O que fazer quando o empregado se acidentar no trabalho?
A. C.A empresa tem que prestar o socorro imediato, se tiver condições de atender no local, se não, chamar o Corpo de Bombeiros ou Samu, fazer o comunicado e tentar verificar, cuidar, modificar aquilo que gerou o acidente para que não ocorra de novo com outro trabalhador, tomar as medidas preventivas.

http://douradosnews.com.br/dourados/empresas-devem-investir-mais-na-seguranca-e-saude-do-trabalhador-diz-auditora-do-mte

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