Eduarda Rosa
Criado para lembrar a data em que várias lideranças indígenas do continente americano participaram do Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, no México, o cenário atual tem mostrado uma realidade não muito “feliz” para os índios em seu ‘Dia’, principalmente em terras sul-mato-grossenses.
A violência vem se alastrando a passos rápidos e em menos de 60 dias, duas pessoas foram mortas na região da Grande Dourados em razão de conflitos entre indígenas e não indígenas.
Diante dos fatos, o Dourados News mostra alguns fatores apontados por especialistas, que possam contribuir para esclarecer os acontecimentos.
Convivência forçada
“Esse foi o caso da reserva de Dourados. A população originária de várias aldeias foi submetida ao rigoroso controle e tutela do Serviço de Proteção ao Índio e, depois, da Funai (Fundação Nacional do Índio). A partir de 1988, com o fim da tutela, o órgão indigenista oficial se distanciou cada vez mais, deixando um vácuo no ordenamento político interno e criando um ambiente favorável a emergência de tensões e conflitos latentes. O que quero dizer é que a reserva é uma realidade criada pelo Estado, antes os índios não viviam em reserva”, ressaltou o antropólogo.
Então uma explicação para grande parte dos problemas vividos na reserva, inclusive a falta de segurança e o consumo abusivo de bebidas alcoólicas, seria essa convivência forçada de várias comunidades em espaço insuficiente para a reprodução física e cultural dos indígenas, de acordo com o estudioso.
Reservas Indígenas x Fazendeiros
Os artigos 231 e 232 a Constituição Brasileira, de 1988, garante aos índios o direito de habitar nas terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, protegê-las e fazer respeitar todos os seus bens.
Na maior cidade do interior do Estado, existem a reserva indígena de Dourados e a terra indígena de Panambizinho, já regularizadas. De acordo com o Coordenador Regional da Funai no município, Vander Aparecido Nishijima, para uma área ser declarada reserva indígena é feito um estudo com antropólogos, geólogos, ambientalista, além de entrevistas, para assim comprovar publicamente que aquela é uma área que já pertenceu a indígenas.
Nishijima alega também que há muitas áreas no Estado que a Funai já demarcou, contudo os proprietários entraram com processo judicial, que vai até o Supremo Tribunal Federal para lá ser decidido.
Essas novas demarcações acabam gerando conflitos entre os indígenas e os fazendeiros, ocasionando agressões e até mortes.
Morte do policial aposentado
O caso recente da morte do policial militar aposentado, Arnaldo Alves Ferreira, de 68 anos, que ocorreu na sexta-feira (12), em Douradina, revela isso. Pois segundo o coordenador da Funai a propriedade rural do policial já estava demarcada como reserva indígena, contudo o proprietário entrou na via judicial para anular a decisão.
De acordo com informações policiais os indígenas e o fazendeiro vinham tendo problemas desde 2010. Segundo os boletins de ocorrências registrados na delegacia de Douradina, um furto na propriedade de Arnaldo ocasionou as primeiras desavenças três anos atrás. Já em 2012, conforme outros documentos, houveram mais registros de furtos, além de uma ameaça e lesão corporal por parte dos indígenas, resultando no assassinato do produtor.
Conflitos históricos
De acordo com o antropólogo, Levi Pereira, há registros da existência de conflitos entre índios e proprietários rurais em documentos oficiais do Serviço de Proteção ao Índio e em boletins de ocorrência policial. Isto aconteceu em vários municípios do sul de MS desde as primeiras décadas do século XX, como foi no caso dos conflitos entre a comunidade kaiowá da Terra Indígena Tacuara e a Companhia Mate Laranjeira. Entretanto, foi a partir do processo de redemocratização da sociedade brasileira, da década de 1970 em diante, que os conflitos ganharam maior visibilidade.
“A maior visibilidade e expressão dos conflitos se deve à mudanças no aparato legal, a reorganização nas instituições do Estado e ao surgimento de organizações da sociedade civil. Um fenômeno da maior importância foi o surgimento do novo movimento indígena, também durante o processo de redemocratização da sociedade brasileira. As lideranças indígenas assumem cada vez mais o papel de sujeitos políticos, atuando intensamente na sociedade”, ressalta o antropólogo.
Produtores Rurais
No outro lado dos fatos estão os produtores rurais. Em entrevista ao Dourados News o presidente do Sindicato Rural de Dourados, Marisvaldo Zeuli, disse que “se existe uma dívida com os índios a sociedade como um todo deve ajudar a pagar, não só o produtor rural”.
“O que os índios querem?”
Na reportagem da revista, “Veja” de 14 de novembro de 2012, a matéria intitulada “O que os índios querem?” trata-se de uma pesquisa do Datafolha encomendada pela CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), que mostra que os índios aspiram às mesmas conquistas materiais da maioria dos brasileiros.
“Para eles, não há contradição entre a identidade indígena e os confortos e desafios da vida moderna, o que inclui trabalhar e estudar como qualquer pessoa. Eles querem cidadania plena e não desejam viver como os antepassado viviam cinco séculos atrás”, diz a reportagem, que entrevistou 1222 moradores de 32 aldeias indígenas em todas as regiões do país.
Reportagem publicada na revista Veja no ano passado apontou o que os indígenas aspiravam - Foto: Divulgação
Adolescente indígena morto em Caarapó
O advogado criminalista, Maurício Rasslem, que atua casos em que índios são envolvidos, recorda o caso de rapazes indígenas que foram pescar em uma propriedade rural e o fazendeiro acabou matando um adolescente com um tiro, por que se assustou e atirou. “Falam que o índio tem que caçar, mas caçar o quê? O que ele vai caçar na nossa região hoje em dia? Ele vai caçar peixe de pesqueiro, como aconteceu em Caarapó”, recordou o advogado.
O adolescente indígena, Denílson Barbosa, de 15 anos, foi morto pelo produtor rural Orlandino Carneiro Gonçalves, 61, acusado de matá-lo no dia 17 de janeiro deste ano na aldeia Te'yikue, em Caarapó.
O crime aconteceu porque três adolescentes foram até um açude da fazenda do proprietário rural para pescar, ele se assustou e deu um tiro, que acertou no garoto. Segundo a advogada do acusado ele tentou ajudar o garoto, mas temeu por represarias dos indígenas.
Outros casos
Cacique Nízio Gomes
Seu corpo ainda não foi encontrado, mas supostamente foi morto no dia 18/11/2011, após um ataque ao acampamento indígena Guayviry, situado no município de Aral Moreira/MS. Pela suposta morte do líder indígena Nizio Gomes, 19 pessoas foram indiciadas pela Policia Federal do Brasil. Vários dos presos são fazendeiros da região fronteiriça, também foi preso o proprietário de uma empresa de segurança de Dourados, que teria sido o executor da morte de Nizio.
Policiais mortos por indígenas
No dia 1º de abril deste ano, completou sete anos que dois policiais civis foram assassinados por um grupo de nove indígenas na região do Porto Cambira, em Dourados.
O crime aconteceu em 2006 e conforme o processo, continua tramitando na Justiça, ainda sem data de conclusão. No dia do fato, os policiais Rodrigo Pereira Lorenzatto, Ronilson Bartie e Emerson Gadani, foram investigar a denúncia que um foragido da polícia estaria no local entre os indígenas. Mas ao chegarem numa viatura sem identificação, os índios teriam cercado os três e tirado suas armas.
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