Ele pega dois ônibus para chegar à Universidade sozinho, apresenta trabalhos com os colegas, faz provas, participa de eventos. Entretanto esta não é história de um jovem acadêmico comum, é a história de Luís Carlos Freita França, que tem deficiência visual (cegueira) desde um ano de idade, que entrou na escola apenas aos 22 anos e na infância trabalhou nas ruas pedindo dinheiro para ajudar a família.
Sempre chegando pontualmente, mesmo morando a cerca de dez km da unidade de Ponta Porã da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Luís terminou o 1º ano de Administração sem ter que fazer nenhuma prova de exame. E incentiva quem tem sonhos a realizar:
– Se a pessoa tem um sonho, mesmo que seja tarde, igual ao meu caso que comecei tarde, mas que corra atrás. Não importa a idade que tenha, pode correr atrás ainda, ainda dá tempo, enquanto há vida há esperança!
O acadêmico, Pontaporanense, de 36 anos, relata que tem apenas 7% de visão e que começou a sua alfabetização apenas em 2002, quando se separou no seu primeiro casamento e quis fazer algo diferente. Procurou uma escola e iniciou o ensino fundamental no Ensino de Jovens e Adultos, aprendeu o Braille e informática. Ele contava com o apoio de professores e alunos, mas foi só ao ingressar na UEMS que Luís França ficou sabendo que tinha direito a uma professora para apoiá-lo.
– Só tive apoio agora na UEMS, na faculdade. Eu achei que não existia, não sabia que tinha estes direitos. Mas eu era uma criança muito inteligente, com 7 ou 8 anos eu fazia contas de matemática, o que perguntava eu falava. Mas eu nunca tive a ideia que poderia estudar, que tinha direitos.
Sem ressentimentos, fala das dificuldades da infância:
– Minha família sempre foi muito pobre, morava de aluguel. Então a maneira que o pai encontrou para conseguir recursos para comprar um terreno e construir uma casa, de sua maneira leiga, foi com que o filho pedisse dinheiro na rua, eu ia com o meu irmão.
Atualmente ele trabalha com compra e venda de reciclados e tem como renda fixa somente o benefício social da Lei Orgânica de Assistência Social (Loas). Contudo, ele brinca que precisa agradecer a ex-mulher pela separação, pois foi só depois desse fato que começou a estudar, andar sozinho pela cidade (fez aulas de mobilidade e orientação) e se tornou uma pessoa independente.
– Só aos 22 anos comecei a viver! Na UEMS eu estou utilizando um notebook que é da faculdade e fica comigo em casa. Eu uso o programa DOSVOX para ler e escrever. A professora apoio dita para mim e eu vou digitando tudo no computador, eles passam também apostilas e eu estudo em casa. Só as provas que não tem como, eu faço oralmente.
A professora apoio, Shirley Flores Zarpelon, é formada em Administração e Pedagogia, além de ter especialização em Educação Especial, tudo que colaborou muito para ajudar Luís França neste primeiro ano de faculdade. Ela faz sínteses da aula exposta e ajuda o professor a facilitar a vida do aluno com deficiência visual, também constrói materiais em alto relevo organogramas e pirâmides, por exemplo.
– Ele não faz diferença nenhuma com os demais alunos. As aulas são junto com os demais alunos e ele participa. A UEMS tem saído a frente na questão da inclusão, este trabalho desenvolvido aqui na Universidade, no curso de Administração é um desafio diariamente, mas o Luís tem dado uma resposta muito significativa. Ele é comprometido e o trabalho que a gente desenvolve tem um retorno muito positivo – conta Shirley.
A professora que foi contratada especialmente para apoiar Luís França realizou a instrução de orientação e mobilidade por toda a Unidade de Ponta Porã e o apresentou a todos os professores, demais servidores e comunidade acadêmica do curso de Administração. Com isto ele tem autonomia para andar sozinho e ir aos locais necessários. Ela o auxilia apenas para chegar ao ponto de ônibus ao final da aula, pois é preciso ler a linha do ônibus.
De acordo com a responsável pelo Setor de Inclusão e Diversidade da UEMS, Márcia Gomes, na Universidade, em 21 cidades em que está presente, atende-se a 33 alunos com algum tipo de deficiência e para cada um dos tipos de deficiência é elaborado um estudo de caso com laudo e apoio de profissionais qualificados.
– Todo mundo está ganhando, a turma dele aprendeu a conduzir uma pessoa com deficiência visual, está enriquecendo todo mundo! Esse processo de inclusão é importante para quem é incluído, a pessoa com deficiência, mas também é importante para quem interage com estas pessoas, que aprende a respeitar o outro, a diversidade, desconstrói os preconceitos, discriminações e sensibiliza a sociedade também – conclui Márcia Gomes.
Com colaboração de Nivalcir Almeida
Produzido pelo Projeto Mídia & Ciência UEMS/Fundect
Publicado em: http://www.uems.br/noticias/detalhes/se-ha-sonho-e-so-correr-atras-enfatiza-academico-com-deficiencia-visual-123024
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